Lápis azul da democracia
Quando José Casanova chamou ao jornal Público o órgão central da SONAE, os jornalistas ficaram ofendidos. Na realidade, a censura em tempos de democracia é tão subtil que os jornalistas, às vezes, nem dão conta. Mas ao ver a entrevista que Judite de Sousa fez a Francisco Lopes, é impossível não ver uma escondida caneta azul na mão da jornalista. Vejamos:
O modo como a jornalista questiona o político acerca do caso BPN. Há que ouvir nas entrelinhas algo implícito no debate. Enquanto Francisco Lopes vai falando da ética com que se é político e, em particular, Presidente da República. Judite de Sousa assalta-o com perguntas sobre quem errou e onde esteve o erro. Enquanto Francisco Lopes expõem o caso BPN como um caso de política; Judite de Sousa quer vê-lo como um caso de polícia. Reparem, por exemplo, neste trecho (entre 5:22 e os 5:48):
[Francisco Lopes] Mas a questão que coloco, essencial, relativamente ao BPN, é esta: apurem-se todas as responsabilidades mas tirem-se ilações em relação ao futuro.
[Judite de Sousa] E qual é a ilação que o senhor tira em relação ao futuro? O que deve acontecer ao banco?
[Francisco Lopes] A ilação que eu tiro é esta: é que as decisões do poder político, de sucessivos governos, e do actual Presidente da República, são guiadas não pelo interesse nacional, mas por, em todas as circunstâncias, favorecer os interesses dos grandes grupos económicos e financeiros.
É óbvio que muito no caso do BPN é um assunto de polícia. Mas essa é competência dos tribunais. O trabalho de Francisco Lopes não é dar palpites sobre quem deve ser preso, mas questionar as atitudes políticas de quem apadrinhou o caso. Judite de Sousa, a cada pergunta, tenta levar o diálogo no sentido contrário. Perguntar “O que deve acontecer ao banco?” é deixar de perguntar o que deve acontecer a Cavaco Silva e a José Sócrates. Pedir uma proposta de solução imediata para o caso do BPN (digamos, declarar falência), não é fazer desaparecer o problema e absolver, por não questionar, aqueles que permitiram que isto acontecesse. É, também, separar o caso BPN do voto contra a proposta de lei do PCP destinada a impedir as grandes empresas a fugir aos impostos previstos no próximo Orçamento de Estado. É, sobretudo, discutir o caso concreto para não discutir nem alterar a forma de fazer política que o provocou.
Enfim, o jornalismo sensacionalista actual adora procurar culpados, para, conscientemente ou não, não deixar ver (e daí eu falar de censura) os ambientes e os contextos.
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