Fala Ferreira

Assim me saúdam os amigos de Guatemala.

O que quer Henrique Neto?

Há uns dias que quero escrever sobre o anúncio da candidatura de Henrique Neto a Presidente da República. Tem-me faltado a paciência. Aproveito por isso agora o mote dado pelo Renato.

Creio ser apenas possível compreender esta candidatura relembrando o que já disse muitas vezes neste blog, por exemplo aqui, a saber: O segundo governo de José Sócrates e a fraca oposição de Manuela Ferreira Leite (uma mulher na política de um país misogeno) exigiram a entrada direta – e atabalhoada – da burguesia na política. Assim, foram desveladas contradições internas à própria classe que opõem um bloco dominante constituido pela banca, construção civil e Estado, contra um bloco dominado que bem merece o nome de «outros». Este bloco, sempre liderado pelos supermercados, apresentou a metalomecânica de exportação (AutoEuropa) como tipo de empresas que deveria substituir a expeculação imobiliária enquanto motor da economia portuguesa. Henrique Neto foi um dos mais destacados membros deste segundo bloco.

Soares dos Santos tentou romper com a herança que o Primeiro-Ministro Cavaco Silva deixou a todos os seus sucessores: um governo dirigido para a aliança entre a alta finança e a indústria do betão. E Passos Coelho foi eleito para mudar o rumo do país. Mas logo foi parcialmente derrotado; a troika foi mais amiga de Fernando Ulrich do que daqueles que lhe haviam pagado a campanha eleitoral. Somente a construção civil ficou de fora em resultado da análise feita pelo Tribunal de Contas, a pedido do PCP, às obras do Parque Escolar.

Ora, ante a derrota total de Passos Coelho e da política que ele encarnou e a mais que provável vitória de António Costa apoiado pelo ex-CEO da Mota Engil (Jorge Coelho), aqueles que protestaram em 2010 voltam desesperadamente à política. Henrique Neto é o melhor exemplo. É por isso que a sua candidatura tem de ser apresentada antes das legislativas: ela pretende ser uma força de bloqueio, proposta visivelmente por quem não sabe como fazer, desse regresso dos grandes construtores civil à mesa do Orçamento de Estado. Os mais recentes artigos de opinião de Helena Matos no Observador vão no mesmo sentido. Aliás, todo o projeto desse jornal.

Falta perguntar porque fracassaram os mais convictos defensores da política dos «outros»: António Borges, Passos Coelho e Vítor Gaspar. Como eu disse aqui, faltou coragem. Os neoliberais de plantão meteram o rabinho entre as pernas quando ficou óbvio que a única saída para «quebrar a espinha aos banqueiros», quer dizer, retirar a influência dos banqueiros sobre o Estado, era nacionalizar os bancos. Mas quem estava fora do governo, como Henrique Neto e Helena Garrido, ainda se recusa a compreender essa obviedade e insistem a repetir a experiência fracassada de Passos Coelho.

Claro, apelando para a cultura protofascista que crê que o problema são os partidos que descrevi aqui.

2 de Abril de 2015 Posted by | Economia, Partidos, Portugal | , , , , , | 1 Comentário

António Borges

Morreu, aos 63 anos, António Borges: economista neoliberal que mereceu a confiança de Strauss-Kahn e se tornou, depois, o ideólogo do atual governo português. Do seu trabalho, conheço apenas o último período. Um economista brilhante sem jeito para a política? Talvez. Mas sobretudo um homem que, nestes últimos dois anos, prestou um mau serviço ao país.

Há três pessoas que são responsáveis pela política que foi colocada em marcha em meados de 2011: Passos Coelho, António Borges e José Gomes Ferreira. O executor, o ideólogo e o “publicitário”. Uma política define-se em três aspetos: as suas intenções abstratas; as suas intenções concretas; e, como de boas intenções está o inferno cheio, os seus resultados.

Do ponto de vista abstrato, estes três homens defenderam o neoliberalismo em Portugal como nunca tinha sido defendido. Passos Coelho defendeu ainda em 2009 a privatização da saúde e da educação. Mas o seu grande adversário – e aqui passamos às suas intenções concretas – era a banca. De todos os lobbys, o mais importante em Portugal é o setor bancário que, sobretudo através da especulação imobiliária e PPPs, se tornou um sorvedouro de dinheiros públicos e privados. (Segundo Vítor Bento, citado pelo Agostinho Lopes, este setor retira 15% dos lucros aos outros devido ao conluio com o Estado). Ou seja, a intenção concreta desta troika era acabar com um modelo económico, que Soares começou a construir e Cavaco terminou, onde os bancos e a especulação imobiliária são o motor da economia portuguesa… E o Estado existe para cuidar desse motor.

A banca era o seu alvo principal, mas não o único. Passos Coelho, Borges e Gomes Ferreira são liberais em toda a linha. Portanto atacaram igualmente os direitos dos trabalhadores e os serviços públicos. E contra adversários mais fracos conseguiram resultados importantes. A única reforma “estrutural” conseguida por Passos Coelho foi a liberalização dos despedimentos. O ministro Nuno Crato, cheio de planos para melhorar a educação, foi obrigado a fazer apenas um plano de corte nas despesas. E por aí vai. Todos, à exceção da banca, que reclamavam a intervenção do Estado sobre a sociedade, foram jogados porta fora.

Dentro do governo ficou apenas a banca – o inimigo declarado de Passos e Borges, ao qual tiveram que se torcer. Eis o resultado real no “neoliberalismo” de ambos. (Nota: Como comentador político, José Gomes Ferreira pode continuar a protestar contra a banca. Ricardo Salgado e Faria de Oliveira permitem. São palavras destituídas de consequências práticas).

Enfim, António Borges deixou-nos o contrário do que pretendia; morre num momento em que a política que defendeu em 2011 foi claramente derrotada.

26 de Agosto de 2013 Posted by | Economia, Portugal | , , | 2 comentários

Definindo neoliberalismo

Este texto é uma nova tentativa de apresentar um argumento já aqui exposto. O neoliberalismo não pode ser entendido como um avanço do mercado e o paulatino recuo do Estado, mas, pelo contrário, como uma contradição de termos: em nome do Estado mínimo, os neoliberais, fizeram o Estado crescer. Depois de ler este texto, isto é o único que posso concluir.

É bem conhecido que um dos elementos fundamentais do neoliberalismo foi a transferência da indústria do centro para a periferia do sistema capitalista. Mas talvez porque os intelectuais, mesmo de esquerda, vivem no centro do capitalismo, uma questão nunca foi colocada: se a riqueza é produzida na Ásia e na América Latina e consumida na Europa e nos EUA, como foi que os segundos pagaram o trabalho dos primeiros? Não é uma pergunta retórica que encerra uma crítica ética; é uma questão de facto que deve ser respondida com factos. A resposta é simples. Inventaram-se novos setores para criarem riqueza nos países do capitalismo central. Ainda que esses setores não produzissem nada exportável (vejam-se, por exemplo, apartamentos sobrevalorizados pela especulação imobiliária), eles diluíam o défice externo num PIB cada vez maior. Ou seja, criando ativos extremamente “valiosos”, os produtos industriais tornavam-se relativamente muito “baratos”. Valorizando o trabalho no centro, o neoliberalismo desvalorizou o da periferia.

Os setores em causa têm sempre duas caraterísticas: (1) uma forte componente especulativa e (2) quase sempre ocupando-se de a atividades exclusivamente ao Estado no período keynesiano (1935 a 1973). Pense-se, por exemplo, na especulação sobre moedas (que, para mais, permitia aos países o centro extrair riqueza dos países da periferia) ou na especulação imobiliária. Pense-se na privatização da saúde ou da segurança social que deram lugar a seguros de saúde e planos de poupança. Pense-se, por fim, nas parcerias público-privadas para a construção de infraestruturas (rodoviária e outras) e para a gestão de tudo o que se possa imaginar (de hospitais à recolha do lixo). Em todos os casos, pelo menos uma destas característica está presente; na maioria as duas.

Isto dota o neoliberalismo de dois traços fundamentais. Uma já bem conhecida: os bancos substituem o Estado na coordenação da economia. Regressa, portanto, uma caraterística que o capitalismo havia desenvolvido a seguir à crise de 1871 (momento a partir do qual a concorrência anárquica entre empresas se tornou inviável devido à dimensão dos investimentos). Com a crise de 1929, o Estado teve de assumir a função dos bancos; mas com a crise de 1973 voltou a perdê-la. O que levou Pierre Bourdieu a afirmar que uma das forças do neoliberalismo é apresentar o passado como se tratasse do futuro e, portanto, fazer crer que os progressistas (isto é, a esquerda) são na verdade os conservadores.

A outra, a meu ver, ainda não debatida mas que o texto de Gray abre a porta para analisar. Por um lado, o neoliberalismo só pode apropriar-se dos novos setores da economia opondo-se ao Estado. Acusando-o de ineficiente; defendendo o Estado mínimo. Ao mesmo tempo, elogiando a eficiência do mercado, o neoliberalismo encerra o debate político sobre a forma em que se deve prover esses serviços. Por outro lado, estes novos setores “produzem” aquilo que Polany chamou de mercadorias fictícias. Não tendo surgido com o intuito de ser comercializadas, elas só funcionam segundo a lógica do mercado com a permanente intervenção do Estado para que isso aconteça. Por outras palavras, o Estado cresce inevitavelmente à medida que estes novos setores se expandem. Em resumo, defendendo a redução do Estado, o neoliberalismo obtém a sua ampliação. E, ao contrário do que seria de esperar, isto é uma força e não uma fraqueza do neoliberalismo: ele “aparece” como solução para o problema que gera.  Basta ouvir o debate atual sobre a crise europeia.

28 de Janeiro de 2013 Posted by | Economia, Ideologia, Mundo | , , , | 4 comentários

Neoliberalismo, Polany e Gray

Por meio do Ladrões de Bicicletas, conheci um texto de John Gray bastante interessante. (Ainda que seja um comentário a um livro de Raymond Plant, é um comentário carregado de elogios). Tendo sido, aos trinta anos, um dos precursores da ideologia neoliberal; hoje, Gray, faz-lhe uma das criticas mais sagazes. Lê-se no texto:

A lógica inerente do neoliberalismo foi sempre a expansão do poder do Estado, pois para introduzir o mercado em cada canto da vida social, o governo necessita de ser fortemente invasivo.

Polany já tinha asseverado que o mercado só pode funcionar quando o Estado prepara a sociedade para isso. As pessoas, a natureza e o dinheiro não são produzidos, como os sapatos, para serem vendidos. É necessário que o Estado atue para transformá-los, respetivamente, em trabalho, terra e moeda e pô-los a funcionar pela lógica do mercado. Ao ler o texto de Gray sobre o livro de Plant parece-me necessário ir além desta tese. Sobre dois aspetos. Há mais “mercadorias fictícias” (o termo é de Polany) que aquelas três. E, em segundo lugar, não basta defini-las por lei, como mercadorias, uma vez para sempre. É preciso fazê-lo continuamente, assumindo o Estado ora o papel de tutor ora de polícia – como provam, de um lado, as conflituosas e continuas mudanças da legislação laboral e ambiental e, por outro, a imensa criatividade com que se fazem surgir novos produtos bolsistas.

É a partir desta reflexão que podemos melhor perceber a tese do texto. Com a crise de 1973, os empresários voltaram-se sobretudo para três conjuntos de sectores. 1) A expeculação bolsista, em particular sobre o câmbio de moeda de países com dificuldades financeiras. 2) Para a construção civil, onde a maior parte do valor era formado pela expeculação sobre o solo. E 3) pela substituição do Estado em serviços como infra-estruturas, transportes públicos, saúde e educação. Em suma, três áreas de mercadorias fictícias. Ao mesmo tempo, o sector industrial foi em busca de mão-de-obra barata – na Ásia – e perdeu importância na formação do PIB (“riqueza”) mundial.

O neoliberalismo, é necessário acrescentar, foi igualmente uma recuperação da lógica económica da segunda metade do séc. XIX: a coordenação económica foi entregue, não a identidade abstrata do “mercado”, mas à banca. Consequentemente, o cerne da ideologia neoliberal é a ideia de Estado mínimo – apenas desta maneira a banca pode expandir os seus negócios para áreas que, nas décadas anteriores, foram erguidas contra o mercado (saúde, educação, preservação ambiental [créditos de carbono], etc.). Mas dado que a ideologia neoliberal é concomitante com a expansão da lógica do mercado sobre “mercadorias fictícias” (quanto mais não seja porque a industria tornou-se insuficiente para realizar a reprodução do capital), ela teve o efeito inverso. A expansão da lógica do mercado implicou, como refere o artigo, a expansão igual do Estado.

Percebe-se então que a atual crise, resultado do esgotamento do capitalismo neoliberal, não apareça como tal. A “responsabilidade” da crise é do Estado que cresceu quando os neoliberais sempre defenderam a sua redução. Portanto, contra o aumento do Estado continua-se a exigir a sua redução. Sem ver que, dada a “natureza” da economia nos últimos 40 anos, exigir a redução do Estado é necessariamente exigir a sua expansão.

20 de Dezembro de 2012 Posted by | Economia, Ideologia | , , , | Comentários Desativados em Neoliberalismo, Polany e Gray

Pode o Estado encolher?

No último post tentei expor a minha visão sobre o debate gerado no Fórum das Gerações, desatado por causa da manifestação da CGTP organizada no passado 19 de Março. Nele afirmava que a manifestação da Geração à Rasca, de dia 12, era resultado de uma confluência entre opiniões completamente díspares. Estas podiam ser agrupadas em dois grupos: o discurso keynesiano radical, que demanda uma maior intervenção do Estado na geração de emprego e controlo dos mercados financeiros; e o discurso moralista, que exige que os seus impostos não sejam gastos em luxos da administração pública.

Recebi uma crítica muito acertada ao meu post (que pode ser lida aqui). Mário Coelho insistiu na legitimidade do discurso moralista que critiquei anteriormente. Isto obrigou-me a rever as minhas considerações e abrir escrever estas considerações.

O ponto de partida para este debate é, tem sido, o documento que elaborei e disponibilizei no Scribd. Nele pretendi elaborar uma mapa que permite reduzir a constelação incomensurável de pontos de vista a quatro discursos que, menos pelo seu conteúdo que pelas suas diferenças, permitem analisar a evolução daquela constelação. Deveria entrar em considerações metodológicas sobre os riscos de uso preconceituoso desta redução e estratégias para evitá-lo, mas vou deixá-lo para um outro post. Agora só quero assinalar algumas questões políticas.

A primeira é que esta constelação de opiniões que considerei no post anterior se refere a opiniões excluídas do debate político dentro do Estado; aí se opõem o keynesianismo e o neoliberalismo. Isto é, a definição de qual é o principal problema das economias ocidentais e, em particular, da economia portuguesa: o crescimento económico ou a dívida pública. Ou, dito de outra maneira, a que de atender primeiro o Estado: a ajudar as empresas e famílias a pagar a sua dívida (privada) ou a pagar, o Estado, a sua própria dívida (pública).

Esta discussão é simétrica, mas distinta, daquela que debate aqueles que estão fora do Estado. Por um lado estão os keynesianos radicais. Estes distinguem-se daqueles keynesianos moderados por afirmarem que, ao mesmo tempo que se devem elaborar políticas para fomentar o crescimento privado, é preciso criar leis que limitem a especulação bolsista e, pela via legal, evitem a drenagem de recursos públicos pelo pagamento dos juros da dívida pública. Por outras palavras, é preciso “uma sapatada no mercados“.

Pelo outro lado, está, como disse, o discurso moralista. Ao questionar o despesismo do Estado assemelham-se bastante aqueles que defendem a austeridade neoliberal. Mas quando se comparam os dois discursos, eles são evidentemente diferentes. Os “moralistas” criticam os luxos do Estado, os neoliberais defendem o fim das prestações sociais: pensões de reforma, sistema nacional educação e serviço nacional de saúde. A divergência entre os dois pontos de vista é bem visível, mas o primeiro (fora do poder) pode contribuir para a instalação do segundo no governo. Isto torna-se ainda mais provável quando se repara que Passos Coelho está a defender a privatização da saúde (descontos obrigatórios para a segurança social privada, isto é, seguros de saúde) desde a sua candidatura à líder do PSD.

Por isso não posso estar contra o que têm defendido estes cidadãos que se manifestaram no dia 12 de Março, junto a quem defendia outras coisas: mais empregos, melhores salários, enfim, melhor qualidade de vida. Sou obrigado, no entanto, a tecer algumas considerações sobre tais posições “moralistas”. Em primeiro lugar, existe esta possibilidade de este discurso fundamentar uma política com a qual estou em total desacordo. O emagrecimento do Estado será mais provável dar-se pelo lado das prestações sociais do que pelo lado dos luxos da administração. Quando olhamos o novo plano de austeridade de Sócrates, o PS e o PSD a defenderem conjuntamente a manutenção dos salários elevados dos gestores públicos ou recordamos um antigo debate entre Sócrates e Passos, somos levados a crer a tesoura do corte na despesa pública será aplicada onde não faz falta.

Além disso, existem razões teóricas para crer que os luxos do Estado são pouco importantes. A levar a sério o que Medina Carreira diz neste vídeo, a dívida pública foi causada pelo aumento do custo das prestações sociais. É claro que os luxos contam, mas pouco. Em segundo lugar, a despesa do Estado com base na dívida, qualquer que ela seja, como se pode deduzir deste vídeo (ver este post também), gera crescimento económico (se não gerar inflação, o que não está a acontecer). Portanto parece-me mais importante evitar o corte nas prestações sociais do que exigir o corte nos luxos do Estado.

Enfim, para eu apoiar o discurso “moralista” é preciso separar o trigo do joio. Por outras palavras, é preciso fazer o esforço que tanto evitamos: começar a entender algumas noções básicas de contabilidade pública.

21 de Março de 2011 Posted by | Ideologia, Sociedade portuguesa | , , , , | Comentários Desativados em Pode o Estado encolher?

Da crise ao TGV

No Prós-e-contras de 28 de Fevereiro, Isabel Stilwell, entre outros disparates, afirmou que o protesto de 12 de Março era uma perda de tempo. Para quê exigir melhores empregos se ninguém diz de onde eles vêm? O Estado poderá criar empregos na função pública, mas esses terão de ser sustentados pelos empregos do sector privado, afirmou o professor Ferreira Machado.

Ontem surgiram alguns artigos de conceituados economias que repetem o que já estou farto de falar aqui no blog. J. Badford DeLong, assumindo-se neoliberal, veio criticar o neoliberalismo. Quando as pessoas não têm dinheiro para consumir e as empresas também não, “o Estado terá de gastar… para manter o emprego nos seus níveis normais” e tirar o país da crise económica. Com que dinheiro? Quantas vezes será preciso repetir que, em última análise, o governo pode imprimir notas? Assim, só a inflação pode anular a acção do governo, mas no caso da Europa e dos Estados Unidos “não é essa a situação actual”.

Paul Krugman, falando apenas dos Estados Unidos da América, veio reforçar essa ideia. A crise chegou ao ponto onde chegou porque estas medidas de aumento da despesa do Estado já deviam ter sido tomadas em Setembro de 2008. Há medida que a crise se agrava, obrigando os governos a intervir para cobrir as quebras, fica mais difícil de resolver.  Mais, ele deita por terra a política de austeridade imposta pela Alemanha à UE

(…) temos muitas evidências de outros países sobre as perspectivas de “austeridade expansionista” – e essas evidências são negativas. Em outubro, um estudo abrangente do Fundo Monetário Internacional (FMI) concluiu que “a ideia de que a austeridade fiscal estimula a atividade econômica no curto prazo tem pouca sustentação nos dados”.

E vocês se lembram dos pródigos elogios colhidos pelo governo conservador da Grã-Bretanha que anunciou medidas severas de austeridade após assumir o governo em maio? No que deu isso? Bem, a confiança das empresas não aumentou, de fato, quando o plano foi anunciado; ela despencou, e até agora não se refez.

Nenhum dos dois o afirma, mas tudo me leva a uma pergunta. Se o governo não tomar medidas hoje, não será de esperar outra quebra no sector financeiro – mais bancos a falir – e a necessidade de os governos gastarem mais dinheiro a cobrir essas dívidas?

Posto isto! Onde deve investir o governo? Portugal enfrenta duas questões. A primeira é a ausência de autonomia em termos de política monetária. Qualquer que seja a solução, ela tem de ser Europeia. Não podendo imprimir moeda como estão a fazer os Estados Unidos da América, e a dívida pública estando já a pagar uma taxa de juro de em mais de 7%, o governo está de mão atadas. É por esta razão que a Alemanha tem responsabilidades na crise portuguesa. Ela se coloca como dona de um dos mais poderosos instrumentos de resolução de crises: a política monetária da UE. Então use-o em benefício da UE e não somente em benefício próprio.

Segunda, se o Estado tem de gerar emprego, onde pode fazê-lo? Não está colocada nenhuma opção no debate político para além do TGV e do aeroporto de Lisboa. Com já disse aqui, eles se colocam porque se apoiam em interesses poderosos, mas isso não faz desses investimentos um problema. É bom que o investimento, seja ele qual for, interesse a alguém; porque interessar a todos é impossível e não interessar a ninguém é indesejável. Enfim, não sei o suficiente de economia para dizer que investimentos se devem fazer. Devem ser investimentos estratégicos não hoje, mas daqui a 10 anos… que se paguem rapidamente, mas só a partir de 2020. Daqui a 10 anos a economia portuguesa será semelhante à de hoje, onde mais de um terço das exportações são destinadas a Espanha? Se este número se mantiver, parece-me racional o TGV. Mas isto é um debate para especialistas.

Não quero o TGV; exijo é que os especialistas debatam onde se deve investir. Até agora não têm feito mais que deleitar-se a ver o sofrimento do paciente!

9 de Março de 2011 Posted by | Economia, Europa, Portugal | , , , | Comentários Desativados em Da crise ao TGV