Fala Ferreira

Assim me saúdam os amigos de Guatemala.

O Impeachment e a esquerda

A campanha pelo Impeachment de Dilma Russef começou no dia seguinte às eleições e ficou vinculada à corrupção na Petrobrás. A cada novo escândalo e revelação da operação Lava Jato, a campanha sobe de tom. Até o FHC já tomou parte… mas calou-se, aos primeiros sinais que o envolveram na corrupção na Petrobrás.

Sobre isto vale dizer apenas uma coisa: O PSDB pede o Impeachment porque não tem mais nada para pedir. A subida dos juros, o arrocho salarial, a suspensão da reforma agrária, o fim da demarcação de  terras indígenas, etc. tudo está feito ou em curso. Esta constatação tem duas consequências.

1. É pouco provável que haja um Impeachment de facto. Há antes uma pressão sobre o PT que premite a consolidação do PMDB  e da política neoliberal no seu governo. Tanto é assim que a direita que manda está calada. Foi Lobão e Bolsonaro, e não Aécio Neves, que levantaram a bandeira do Impeachment. A direita que conta, Roberto Setúbal por exemplo, está do lado de Dilma; no máximo, tirando proveito desta conjuntura de instabilidade para impor-se mais e melhor a Dilma.

2. Por outro lado, bastava o PT fazer política para a campanha pelo Impeachment desaparecer. Bastava baixar a taxa SELIC para que todas as televisões e jornais esquecessem o Impeachment e começassem a falar de juros e de inflação, isto é, política a sério. A esquerda -PSOL, PCB e PSTU – só pode apoiar o PT se ele tomar alguma destas medidas; apoiar, em primeiro lugar, estas medidas.

Até lá tem outras coisas que fazer. A avaliar pelo Rio, a esquerda – PSOL, PCB e PSTU – está muito amarrada à academia, em particular, ao IFCS e à UERJ. Tem de começar a viajar à Baixada Fulminense, a Campo Grande e ao Jacarezinho para aprender com os lideres locais que aí existem e que o PT e o PCdoB deixaram, por assim dizer, órfãos.

25 de Fevereiro de 2015 Posted by | Brasil, Ideologia | , , | Comentários Desativados em O Impeachment e a esquerda

A génese do oportunismo contemporâneo

Estou a ler avidamente O alfaiate de Ulm, um livro do italiano Lucio Magri sobre a vida do PCI. Magri faz questão de afirmar que aderiu ao partido depois Discurso Secreto de Kruchshev, portanto conhecedor do pior que ocorreu na União Soviética; não obstante, acreditando na ideia do comunismo e na necessidade de uma transformação radical da sociedade pese aos malogros dessa experiência ainda em curso. Ali combateu a ala direita do partido e tentou evitar a dissolução do PCI no partido socialista e depois a sua dissolução total. Já não acompanhou a criação da Refundação Comunista que, para ele, implicaria um profunda análise do desastre do PCI que ninguém parecia capaz de fazer. Este livro, escrito em 2009, é uma contribuição para essa reflexão que permanece ainda hoje por fazer; mas é, antes de tudo, uma visão pessoal e politicamente interessada da história do PCI.

Escrevo este texto após ter lido apenas os primeiros capítulos do livro (4 de 21) porque me parecem fazer um rica contextualização do pensamento teórico de G. Dimitrov que, para muitos, é o pai do revisionismo moderno.

Conta Magri que a ideia de cooperação com as «frações progressistas» da classe burguesa proveio de Stálin, com a ajuda de Dimitrov, em 1935 ante o fracasso da teoria do «social-fascismo» que não foi capaz de impedir a chega de Hitler ao poder. Nesse momento era claro que as pretensões imperialistas do nazi-fascismo alemão teriam como alvo a Rússia; Stálin tudo fez para obter a colaboração de França, de Inglaterra e dos EUA para derrotar esse inimigo da humanidade. Boa parte do trabalho dos partidos comunistas europeus foi fazer campanha por essa aliança anti-fascista.

Churchill entretanto sabia que a melhor forma de garantir a hegemonia económica e política do ocidente era deixar que os dois sistemas alternativos, socialismo e fascismo, se destruíssem entre si. Atrasou por isso a ajuda à URSS até ao momento em que Hitler quase conquistou Stalingrado, isto é, quando Hitler quase ganhava a guerra com a Rússia. E fê-lo com a certeza que, depois de vencer a Rússia, Hitler tomaria sem dificuldades Inglaterra. Mesmo nesse momento, o Ocidente enviou unicamente armas; apenas no último ano da guerra enviou soldados – o famoso desembarque da Normandia.

A teoria de Dimitrov, das «Democracias populares», aplicada no pós-guerra mantinha essa tese central da colaboração de classes. Era impensável dar um giro de 180 graus nesse momento, até porque era desnecessário. Primeiro, porque a URSS, depois da vitória sobre o nazi-fascismo, gozava de um imenso respeito entre as classes subalternas do Ocidente que fortalecia os partidos comunistas. Segundo porque boa parte da burguesia, que esteve envolvida com o Partido Nazista, foi obrigada a fugir abandonando suas fábricas e terras. A nacionalização da indústria e a reforma agrária, pelo menos das fábricas e das terras daqueles que participaram nas ditaduras fascistas, não contavam com qualquer oposição. Vários países, todos da Europa de leste, chegaram por essa via ao socialismo; na Europa ocidental, o PCI e o PCF foram partidos de grande influência política e social.

Compreendendo o contexto favorável aos comunistas, o Presidente dos EUA, Truman, dá inicio à Guerra Fria. Quer dizer, equipara o socialismo ao nazismo e Stálin a Hitler; envia tropas a vários cantos do mundo, incluindo países fascistas, para derrotar as guerrilhas marxistas. E Stálin declara, ante tais factos, a impossibilidade de seguir essa política de colaboração de classes, envolvendo-se numa disputa militar e tecnológica para a qual não tinha meios. As ações da URSS foram mais publicitárias que reais. Stálin então acreditava ter um apoio popular no ocidente que nunca teve; a memória da vitória sobre o nazi-fascismo não sobreviveu a todos os atos práticos – de mobilização de soldados para a guerra contra o comunismo, de afastamento de comunistas de cargos públicos, etc. – que promoveram o anti-comunismo.

Ainda me falta ler 17 capítulos. Mas tudo se encaminha para que Magri vá argumentar que o PCI se perde na escolha entre dois caminhos impossíveis: aquele defendido por Stálin entre 1935 e 45 (teorizado por Dimitrov) e o outro, defendido também por Stálin, entre 1948-52.  A solução apresentada – e que me parece correta – é que o movimento comunista internacional sobretudo carece de uma teoria atualizada que guie a sua ação hoje.

O revisionismo, portanto, é hoje a defesa de uma tese – a de Dimitrov – que não encontra condições na atualidade para a sua aplicação. O esquerdismo é a resposta a este erro que, do mesmo modo, não encontra na realidade (nunca encontrou) condições de sua aplicação.

18 de Fevereiro de 2015 Posted by | Ideologia | , , , | Comentários Desativados em A génese do oportunismo contemporâneo