Fala Ferreira

Assim me saúdam os amigos de Guatemala.

Quem financia o golpe?

A minha certeza de que o impeachment de Dilma Roussef se fará à margem da lei é tão grande quanto a certeza de que ele é inevitável. A esquerda deveria estar já a pensar em como se reorganizar e não como resistir – esse foi o argumento do meu último post. Participar nas manifestações em defesa do governo é adiar as tarefas necessárias da esquerda.

Isso não impede que eu considere que o golpe será muito ruim para os trabalhadores. Que ele legitimará a judicialização da política e da criminalização dos movimentos sociais (o que já vinha ocorrendo com o apoio do PT no governo). Que trará consigo o ajuste estrutural que Dilma vinha adiando devido à crise política. Por essa razão, não posso deixar de assinalar aqui os patrocinadores do golpe ou, mais exactamente, de um encontro que ocorrerá em Portugal que

  • É promovido por Gilmar Mendes, ministro do STF que impediu Lula de ser ministro;
  • Terá a participação da dupla Temer-Serra, que já se perfilam como figuras centrais do governo pós-impeachment. Aécio Neves, líder da oposição, também estará presente. E
  • Ocorrerá entre os dias 29 a 31 deste mês, ou seja, quando o STF tomará a decisão final sobre o empossamento de Lula como ministro.

A lista de patrocinadores do evento, retirado do Instituto Brasiliense de Direito Público, que tem como sócio Gilmar Mendes, é esta:

Golpe

23 de Março de 2016 Posted by | Brasil, Ideologia | , , | 1 Comentário

O impeachment imparável

O processo contra Dilma Roussef está a ocorrer à margem do direito. O chumbo das contas do orçamento de 2014, pelo Tribunal de Contas da União sob pressão das ruas, serve de base ao impeachment. No entanto, as pedaladas fiscais não foram consideradas crime excepto nesse julgamento em 2015, muito embora sejam utilizadas de forma recorrente pelos governos. Tampouco foram consideradas crime quando utilizadas recentemente pelo Vice-Presidente Michel Temer, sucessor de Dilma em caso de impeachment. Vale notar que nenhuma das provas desveladas pela Lava Jato implica diretamente a Presidente e, como tal, não pode sustentar a sua destituição. Exceto o financiamento ilegal de campanha que, a provar-se, provocaria a cassação da legenda e, portanto, a destituição da Presidente e do seu Vice. Contudo, esta segunda opção interessa pouco à elite política por duas razões: 1. é lenta (depois da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral, cabe ainda recurso ao Supremo Tribunal de Justiça) e 2. implica o PMDB, partido com mais deputados, senadores, governadores estaduais, etc., quer dizer, implica quem realmente manda no país.

Numa das mais interessantes análises de conjuntura, Rodrigo Nunes, professor de filosofia na PUC-Rio, afirma: “(…) importa apenas uma coisa: os votos do PMDB no Congresso. Sérgio Moro poderia vir a público atestar a inocência de Dilma agora que, sem estes votos, o Governo cairia igual.” A questão do impeachment só em teoria é uma questão jurídica, quer dizer, só formalmente os deputados e senadores vão julgar o carácter legal dos atos de Dilma Russef. Na prática estarão tomando uma decisão política. É por isso que Eduardo Cunha, contra o qual a Lava Jato já reuniu provas e já existe uma acusação formal, pode comandar o julgamento de Dilma Russef. (A justificação que FHC deu para o facto só confirma o carácter político, contra a Constituição, do impeachment.)

Ou seja, o PMDB é o fiel da balança e a pergunta-chave só pode ser o que quer o PMDB? Ele quer, por um lado, um plano de ajuste estrutural/austeridade para fazer face à crise económica e, por outro, barrar a as investigações da Lava Jato para poupar ao máximo os seus dirigentes. O PT tem alguns trunfos para atirar água na fervura da Lava Jato; um artigo de Sylvia Moretzon (professora de Ética na faculdade de jornalismo da UFF, bastante conceituada no Brasil e que deve ter cobrado a um ex-aluno para publicar em Portugal um artigo capaz de contrabalançar a repetição do discurso anti-petista da Globo) mostra bem como os juízes se transformaram em justiceiros contra o PT, em clara violação da lei e da imparcialidade do sistema judiciário. Mas mobilizar todos estes factos não chega; é preciso também disputar nas ruas o clima político anti-petista decorrente da mobilização da classe média. Para isso é preciso crer que a CUT e o MST ainda são capazes de ocupar as ruas.

A questão é que o PT não pode resolver a outra metade do problema sem minar a solução necessária para resolver a metade anterior. Há um consenso de que, para fazer face à crise, é necessário austeridade ou, como se dizia há umas décadas, um ajuste estrutural. Dilma aceitou esse programa quando apelou ao diálogo na noite eleitoral e quando, logo depois, chamou Joaquim Levy para Ministro da Fazenda. Marina Silva assinalou essa adesão de Dilma Russef ao neoliberalismo apelidando-a de “choque de realidade”; o PT também, mobilizando-se contra as medidas que a Presidente cogitou tomar. E Dilma somente não aplicou a receita neoliberal porque a crise política tem o governo paralisado desde o dia das eleições. Receita essa que, ao invés de ser revertida, acaba de ser confirmada. Ora, é inegável que a adopção desta política económica irá desmobilizar as bases da CUT e do MST. O governo não pode (como se diz em Portugal) querer sol na eira e chuva nos nabal, isto é, pedir à esquerda que defenda o seu governo e governar à direita.

Mas o problema é que o PMDB continua a ser o fiel da balança e, para ele, uma aliança com o PSDB – capaz de sustentar o governo de Temer – é muito mais eficaz. Por um lado, o programa neoliberal pode ser aplicado com o consentimento ou mesmo apoio das suas bases partidárias. E, por outro lado, o fuel que alimenta a Lava Jato é o ódio fascista ao PT – não só porque os juízes estão a correr atrás de aplausos (independentemente das suas ligações ao PSDB), mas também porque fazem parte dessa classe média anti-petista. Com o PT fora do governo, a classe média e o sistema judiciário desmobilizado, será mais fácil jogar água na fervura.

***

Como seria de esperar, a esquerda está divida entre os críticos do impeachment, que sublinham a sua ilegalidade, e os críticos da política económica de Dilma. De todos os modos é, pela sua pequenez, um jogador incapaz de fazer a diferença neste jogo onde as cartas estão dadas. O que mais espanta, não obstante, que apesar do consenso existente acerca do esgotamento do projeto petista de conciliação de classes, não consiga ver na impossibilidade do PT para sair do atoleiro onde se enfiou, a prova concreta dessa tese teórica. O impeachment jamais será resolvido favoravelmente aos trabalhadores porque não será resolvido sem o PMDB, isto é, sem o aval da burguesia em um momento de crise, quer dizer, que não à conciliação de classes possível.

O futuro será negro. A passagem de Dilma para Temer custará aos trabalhadores o mesmo que custou, na Argentina, a eleição de Macri. A esquerda ficará reduzida, de um lado, aos burocratas sindicais do PT e, de outro, às universidades de ciências humanas onde afloram o PSOL, o PSTU e o PCB. Em ambos os casos, o ponto de partida da esquerda é o seu real afastamento das massas fustigadas pela política neoliberal que se aprofunda. É triste. É difícil. Mas é o preço a pagar pelo que anos de política de conciliação de classes fizeram com as organizações dos trabalhadores como o MST e a CUT, bem como da incapacidade dos intelectuais críticos do PT para sair dos muros da academia.

22 de Março de 2016 Posted by | Brasil, Economia, Partidos | , , , , , , | Comentários Desativados em O impeachment imparável

Que tempos são estes!?

Ainda não disse o que pensava do livro de Henrique Raposo. Tampouco o li. Mas parece-me que se insere numa nova literatura conservadora, que no Brasil deu origem aos “Guias politicamente incorrectos“. Livros que recuperam teses (filosóficas, historigráficas, sociológicas, económicas, psicológicas, etc.) preconceitosas e ultrapassadas, difundidas como se de coisas novas se tratassem. O que trazem de novo é apenas a linguagem humorística e a falta (muita!) de seriedade.

Há 20 anos atrás, apresar do muito analfabetismo, os leitores teriam optado pela seriedade de, por exemplo, Paula Godinho antes da escrita fácil de um Henrique Raposo. Ao mesmo tempo, os critérios editoriais dificilmente teriam deixado passar um livro destes pela sua peneira. E, caso fosse publicado, as Paulas Godinho teriam vindo à praça pública rebater cada linha, dispensando possíveis (e “assustadoras“!?) campanhas convocadas por facebook. Mas esta é a época dos 140 caracteres do Twitter, onde as pessoas consomem “cultura” ao invés de cultivar-se.

Nota: Também Hitler iniciou a sua carreira política com um livro que relatava as suas memórias de artista frustrado. E, como Raposo, teve um dos maiores empresários do país como mecenas.

[Adendo de 18-3:] Uma resposta à altura a Henrique Raposo foi dada, no Público, por José Riço Direitinho.

3 de Março de 2016 Posted by | História de Portugal, Ideologia | , , | Comentários Desativados em Que tempos são estes!?