Fala Ferreira

Assim me saúdam os amigos de Guatemala.

Internacionalismo otário

A CDU, corretamente, lançou-se para esta campanha para o Parlamento Europeu exigindo o fim do euro. Sem duvida as afirmações feitas por João Ferreira são cautelosas e exigir que Portugal se prepare para a dissolução da união monetária não é o mesmo que exigir que o país se retire dela! Não obstante, a luta de classes tem destas coisas e as pessoas estão a tomar o discurso do camarada João Ferreira não pelo que ele é, mas pelo que ele devia ser. O “programa” da CDU se transforma assim, pela dinâmica política, na exigência da dissolução da união monetária e até da União Europeia. Eu, ateu, exclamo: Graças a deus!

Que os partidos da burguesia assumam a defesa do euro, um projeto clara e irremediavelmente burguês, não surpreende. Obviamente, pela divisão do trabalho entre tais partidos (eufemisticamente chamados ‘do arco do poder’), as críticas ao PCP são feitas pelos “socialistas”. Isto é extremamente positivo e ajuda a tornar o debate claro! Nada a opor. Que várias organizações de cariz oportunista o façam tampouco é novidade. Mas este facto nada tem de saudável e de esclarecedor, muito pelo contrário.

Há muito que alguns grupos, como o Passa Palavra (aqui a minha crítica) e outros, vêm opondo ao “patriotismo de esquerda” do PCP o “internacionalismo proletário”. Eu seria o primeiro a acompanhá-los nas críticas – e prometo, para breve, uma análise crítica deste vídeo do Octávio Teixeira – se o seu “internacionalismo proletário” não se revelasse, numa leitura mais atenta, um “internacionalismo otário”. Um modo bastante oportunista de fazer esquecer que qualquer transformação profunda da sociedade implica conquista do Estado (que permanece e está longe de deixar de ser nacional). A defesa vazia do internacionalismo, bem com a crítica fanática da burocracia, não são mais do que dois modos de iludir o mesmo problema: a necessidade de conquistar o poder sobre o Estado e destruir o sistema capital-imperialista burguês. Não é mais que o resultado de sua acomodação ao lugar da esquerda folclórica permitida pelo sistema capitalista.

Contra o “patriotismo de esquerda” convém lembrar sempre que, numa economia globalizada, o socialismo não se faz em um só país. Por esta razão o patriotismo nunca pode ser de esquerda. Mas isto não nega que o socialismo tenha que começar num país; que a tomada de um qualquer Estado nacional pelos operários seja um momento indispensável da transição ao socialismo. Que, portanto, o “patriotismo de esquerda” é o passo certo pelas razões erradas. Sem dúvida, há um atraso no trabalho teórico de analisar as mediações entre esse momento e aquele processo de transição. No entanto, é preciso insistir que o verdadeiro internacionalismo proletário só pode ser construído sobre as ruínas do imperialismo burguês.

25 de Abril de 2014 Posted by | Europa, Ideologia | , , , , | Comentários Desativados em Internacionalismo otário

PCP vs. KKE

O Joel Ferreira publicou, no Facebook, esta notícia: Crise de liquidez provoca as primeiras corridas aos bancos na China! E, em comentário, criticou o facto do PCP afirmar, na resolução do XIX Congresso, que a China não se integra no sistema capitalista. Elaborei uma longa resposta que acho oportuno transcrever aqui. Pois a posição do PCP sobre a China é um sucedâneo de uma disputa entre a esquerda mundial que, desde o final do ano passado, opõe o PCP ao KKE. (Ver aqui uma crítica do KKE à forma como o PCP conduziu os trabalhos do 15.º EIPCO).

Se, no texto abaixo, mal falo da China é porque a questão não é, tanto, se a China é o não anti-capitalista. A questão é, pelo contrário, se o movimento internacional comunista deve rachar em nome da coerência ideológica, como defende o KKE, ou, antes, conservar a sua composição ampliada atual, como defende o PCP.

Posto isto, eis a minha resposta (com correções gramaticais):

Na verdade, a questão é bem mais complexa. Não há razão nenhuma para continuar a dizer que a China é um país socialista. O problema que daí decorre é: então, o que fazer com o EIPCO? Albano Nunes [em outro comentário, o Joel acrescenta: “still, o melhor partido português, malgré (et pour cause) os Albanos Nunes] segue a tradição bresneviana, da qual Álvaro Cunhal foi um dos grandes construtores, segundo a qual “se disserem bem de mim no teu país, eu direi bem de ti no meu. As nossas diferenças não são maiores que as nossas divergências com os nossos inimigos”. E isto serve para manter o EIPCO operante e fazendo duas coisas: 1) Cria um bloco forte que não deixa isolar Cuba*; 2) É uma força de atração para muitos pequenos partidos de esquerda europeus para uma esquerda justa, em vez de serem fagocitados pela falsa social-democracia.

Os problemas de fazer as coisas certas pelos motivos errados são três. Primeiro, nunca sabemos se é certamente a coisa certa; apenas o intuímos. Intuímos, por exemplo, que o nosso inimigo é o bloco “central” e não o Bloco de Esquerda – como quer o KKE e por isso quer acabar com o EIPCO. (Aqui entra a tese leniniana segundo a qual o que sustenta o capitalismo numa profunda crise como a atual e o põe a salvo de uma Revolução socialista  não é a audácia dos burgueses, mas o oportunismo de certos líderes de esquerda). Essa intuição leva o PCP a dizer que afinal a crise não é tão estrutural e por isso, não podendo estar de bem com o diabo, devemos conversar com os partidos de oposição no inferno.

Segundo, porque as razões dadas não sustentam as nossas intuições é fácil cair no outro extremo. E passamos a fazer como o KKE: a Revolução está para daqui a pouco, o nosso inimigo é o “oportunismo”. Sou leninista, mas quero ler Lénine como este leu Marx: mais interessado na metodologia que nas conclusões. Porque o que falta é articular a profunda crise objetiva do capitalismo com (para usar as palavras de Albano Nunes no último congresso, que em boa medida resumem a estratégia do PCP) “o atraso do fator subjetivo”. Se isso não se deve, em primeiro lugar, ao oportunismo; se o oportunismo não é o nosso inimigo, nem sequer a burguesia de oposição o é; então como explicamos esse atraso? Se a única explicação que temos é a dada por Lénine em 1914 – o “oportunismo” – somos obrigados a circular entre a posição do PCP e do KKE sem nunca sair dela. Talvez seja necessário fazer como Lénine fez quando a II Internacional não conseguiu cumprir a sua missão de travar a Primeira Guerra Mundial: tirar uns meses para ir estudar filosofia e olhar de novo a realidade.

Finalmente, se a realidade muda e nós conservamos um impressão passada, fruto da intuição, erramos. Ao não conhecer as razões da nossa intuição, e ao justificá-la com falsas razões, terminamos não entendendo quando a nossa intuição não é mais válida. Ou, ainda, a intuição pode mudar, e com ela a estratégia, sem que o discurso que a justifica mude. É por isso que a estratégia dimitroviana, atualizada por Cunhal em “Rumo à Vitória”, pode servir hoje. No entanto, nos dois casos, a estratégia adequava-se (mas não esclarecia este ponto) ao facto de que a “aristocracia operária”, esses proletários de “classe média” ideologicamente oportunista, estava a crescer em número devido a um crescimento económico mundial em torno de 5 a 7%. A força dessa classe, que decorre tanto do seu número como do seu movimento ascendente, foi a maior barreira a uma Revolução socialista entre 1935 e 2000. A concepção de uma etapa intermédia, a “democracia avançada”, foi útil por permitiu preservar a preservativa da Revolução socialista em condições não revolucionárias.

A partir de 2000, e sobretudo a partir de 2008, a “aristocracia operária” não tem mais como crescer. Ao agarrar-se à memória de Cunhal, o PCP não mantém apenas uma posição desatualizada face ao “oportunismo” (a ideologia dessa “aristocracia operária”), como ainda alarga alianças aos burgueses de oposição: seja, no mundo, a China; sejam os supostos empresários patrióticos em Portugal. Eu creio – mais por intuição que por análise, mas também por análise – que isto só é possível porque não é mais o “oportunismo” que é responsável pelo “atraso do factor subjetivo”. O que justifica esse atraso é um protofascismo que se instalou na sociedade, segundo o qual tudo o que vier da política é mau!

Em baixo disto, o Eduardo Neves respondeu:

Perigosíssima e enorme erro essa conclusão José. A verdade é que temos tanto fascismo como proto-fascismo e o oportunismo ao mesmo tempo. O oportunismo que cria o caldo de cultura em que cresce o fascismo e o proto-fascismo. É precisamente por isso que eu digo que o KKE tem razão.

A questão do BE coloca-se da maneira diferente do que o Syriza na Grécia mas sim coloca-se eventualmente. O PCP está sob ataque do oportunismo, mas esse ataque vem das suas relações internacionais, o BE tem pouco peso nesse ataque, porque o BE nunca conseguiu claramente o seu objectivo de se tornar um partido maior que o PCP. Já o Syriza em termos eleitorais e institucionais é outra história. Ou seja, não eu não defendo simplesmente fazer o mesmo que o KKE, porque o trabalho anti-oportunista em Portugal tem de começar obrigatoriamente na ruptura com o PCE, PCF e Refundação, mas o espírito deve ser o mesmo.

Coloco aqui o texto do Eduardo porque me parece que tem alguma razão. Eu intuo isso, sobretudo a partir do momento em que o europeísmo se mostra comum ao “oportunismo” e ao fascismo. A questão está em que não encontro razões para intuir isso!

*Adendo: Repare-se que o esforço que o PCP faz para não deixar isolar Cuba leva-o a subscrever a iniciativa do Fórum de São Paulo (ver aqui sobre o Fórum, e aqui e aqui algumas posições do partido sobre o Fórum), que é promovido por um partido hoje demo-liberal, o Partido dos Trabalhadores.

28 de Março de 2014 Posted by | Europa, Ideologia, Partidos | , , , | 4 comentários

Golpe cipriota

Como em todo o lado, os programas de austeridade visam colocar os trabalhadores e a burguesia não financeira a tapar o buraco criado, na banca, pela especulação imobiliária. No Chipre não foi muito diferente! A diferença é, não obstante, significativa. Nos restantes países, o assalto foi em primeiro lugar aos trabalhadores. A burguesia não financeira foi realmente prejudicada na medida em que os trabalhadores deixaram de consumir aquilo que eles produzem. No Chipre foi diferente: ao capturar parte dos depósitos bancários e transformá-los em capital dos bancos. O roubo é, antes de mais, feito à burguesia não financeira. É certo que os trabalhadores têm parte dos seus salários e poupanças depositadas. Mas compare-se com uma empresa com 100 trabalhadores que vai perder até 40% do seu fundo de maneio, isto é, do dinheiro que usa para antecipar a compra das matérias-primas e repõe quando vende?

Sem deixar de levar em conta os disparates na gestão da crise, bastou ir diretamente ao bolso da burguesia para começarem a afirmar que a austeridade punha em causa a existência do euro. Até a própria esquerda o disse! (Aqui também).

Nota: Não se deve esquecer que, entre 2003 e 2008, o Chipre cresceu acima da média europeia. A crise cipriota deve-se, em primeiro lugar, à pequenez da economia e, portanto, da capacidade financeira do Estado lidar com a crise. Em segundo lugar, ao facto da atividade bancária (simplificando muito) se basear em captar dinheiro russo e emprestá-lo aos gregos. Não por acaso a crise cipriota começou exatamente com o perdão de 50% da dívida grega. Veja-se aqui.

31 de Março de 2013 Posted by | Economia, Europa | , , | Comentários Desativados em Golpe cipriota

O sucesso islandês

De vez em quando regressa a notícia: o primeiro país a entrar em crise, já saiu dela. Mas logo nos recordam que é preciso contar a história toda: não foi um país com sorte, mas um que mandou passear o FMI, demitiu políticos corruptos e prendeu banqueiros. Ainda assim é apenas metade da história. Só se olha para o lado político da questão. Esquecem-se de olhar o lado económico. Até porque é mais fácil. O problema é que sem perceber de economia, como distinguir aos boas das más decisões para resolver uma crise que é sobretudo económica?

A Islândia tomou duas grandes medidas macro-económicas:

  • Recusou-se a nacionalizar bancos falidos (até porque isso era impossível, já que os valor dos bancos falidos era de 923% do PIB);
  • Desvalorizou a sua moeda em relação aos seus principais mercados de exportação – a zona euro – como se vê abaixo. A sorte dde não estar no euro.

17 de Julho de 2012 Posted by | Economia, Europa | , , , | Comentários Desativados em O sucesso islandês

O otimismo de Medina Carreira

Vi hoje, e recomendo, o Olhos nos Olhos de ontem. Medina Carreira teve como convidado Luís Amado. Luís Amado argumenta que a Europa vai no bom caminho, infelizmente de forma muito lenta. Para Medina Carreira os problemas certos nem sequer estão colocados. Mas vendo bem o otimista aqui é Medina Carreira.

Os dois estão de acordo em algo. A crise tem uma causa fundamental e outra mais superficial. A primeira é a desindustrialização da Europa. A segunda a sua desorganização política da qual resulta um euro vulnerável. Mas o desacordo está na ordem com que os dois defendem a resolução destes problemas. Para Medina Carreira, a crise do euro já devia estar resolvida. Os políticos deviam estar a preocupar-se com em negociar com a China a reindustrialização da Europa. Para Luís Amado, a urgência é resolver os problemas internos, do euro, que são complexos – as soluções devem ser legitimadas democraticamente. Até porque (ele não diz, mas depreende-se das suas palavras) o problema fundamental é irresolúvel.

É preciso evidenciar as diferenças de diagnóstico entre Medina Carreira e Luís Amado para entender porquê e até que ponto um é alarmista e o outro é fatalista. Para Medina Carreira, a deslocalização da industria da Europa e EUA para a China resultou da assinatura irresponsável de tratados comerciais liberais. Mas, acrescenta, com o esgotamento do keynesianismo na década de 1970, essa parecia a melhor opção há 30 anos atrás. Luís Amado faz outro diagnóstico. Até 1985, o mundo estava divido em dois; com a queda do Muro de Berlim o mundo unificou-se. A partir de então, começa a gestar-se uma nova repartição do mundo ou, mais exatamente, dos recursos existentes do mundo. O ocidente saiu a perder porque a oriente moram dois terços da humanidade.

Eu partilho mais do pessimismo de Luís Amado do que do otimismo de Medina Carreira. Segundo Medina Carreira, os políticos europeus devem negociar com os chineses o regresso parcial da industria à Europa. Com que argumento? Os chineses só vendem porque os europeus (e norte-americanos) compram. Se todos os empregos que produzem riqueza desaparecerem deste lado do mundo quem comprará aos chineses?

Respondo eu com no meu grande pessimismo: ora, os latino-americanos!!!

4 de Julho de 2012 Posted by | Economia, Europa | , , , , | Comentários Desativados em O otimismo de Medina Carreira

O fracasso alemão

Em junho de 2010, a dupla Merkel/Barroso chocaram com Obama para impor uma solução para a crise. A Europa e os EUA não poderiam seguir sendo os grandes consumidores mundiais; teriam de passar o testemunho aos países aos países emergentes ou, pelo menos, dividir com eles essa função. Por outras palavras, se o crescimento económico mundial exige aumento do consumo mundial, esse aumento do consumo não poderia mais dever-se, como se deve desde a década de 1980, ao endividamento dos Estados e das famílias do europeus e dos EUA. Teria que sustentar-se no surgimento de uma classe média nos países de médio desenvolvimento.

Os EUA continuaram a sua política. O Estado norte-americano continuou a endividar-se para manter a economia em crescimento enquanto o sector privado resolve o problema da sua dívida. Na Europa, a Alemanha impôs um caminho de tentativa de resolução rápida da dívida pública. Os países de médio desenvolvimento trataram de estimular o consumo interno. Aplicaram a receita usual: criar empregos nas obras públicas (ver aqui também). O Brasil contou ainda com os efeitos do bolsa família que, de facto, garantiu os consumidores que permitiram as empresas brasileiras fazer face à crise.

Mas resultados recentes colocam problemas ao modelo alemão. A China e o Brasil já não crescem há 8 meses. Há um ano, a ascensão da classe média nos BRICs surpreendia todo mundo; Merkel avançou com a sua proposta. Um ano volvida, a estagnação da classe média nos BRICs volta a surpreender todo o mundo. Desta vez pela negativa.

(E as derrotas da Alemanha já são duas:

3 de Julho de 2012 Posted by | Europa, Mundo | , , , | Comentários Desativados em O fracasso alemão

Policias: entre confusões e importações

Li-o no Facebook, reencaminhado de um site anarquista. Confirmei-o no “rodapé” desta notícia. Segundo um estudo recém-publicado, um em cada dois polícias gregos votaram na extrema-direita. As explicações são imediatas: os defensores do Estado burguês, mais uma vez, defendem o Estado burguês.

Existem dois erros nesta análise. O primeiro, parece-me, deve-se a uma interpretação errada do fenómeno. Ultimamente, neste blog não tenho feito outra coisa senão frisar que o fascismo não nasce nas elites; embora as elites busquem tirar partido dele. O PASOK, na Grécia, é um bom exemplo deste aproveitamento: um partido da família socialista europeia, portanto, um xenófobo inesperado, não recusa apelar para a xenofobia quando de procura desesperadamente obter votos.

O racismo na Europa está a surgir entre os trabalhadores!!! (Já expliquei porquê aqui).

Esta ideia de que a polícia defende geneticamente a elite é latino-americana! E o segundo erro é transpo-la descuidadamente para a Europa. A Europa não teve uma Aliança para o Progresso, em que parte dos fundos foram usados para conceber ideologicamente a formação das forças de segurança do Estado. Portanto, não existem condições [eu acrescentaria “de possibilidade”, mas poucos me entenderiam] para que a ideologia da polícia latino-americana e a polícia europeia sejam as mesmas.

Por razões análogas, é normal que o racismo na América Latina não seja da mesma natureza que o racismo europeu.

Se estou certo em que o racismo nasce no seio dos trabalhadores e, como disse aqui, resulta de uma leitura desinformada da crise, então é igualmente compreensível que apareça tanto nas polícias como nos jovens. (Lembremo-nos que, em França, Marine Le Pen foi a candidata mais votada entre os jovens). Pois é a mediação dos sindicatos – e outras organizações de esquerda que “satelitam” em sua volta – que permite romper com esta leitura desinformada da crise. Ora, os jovens ainda não se encontram no mercado de trabalho e, por isso, sindicalizados. E a atividade sindical nas forças de segurança é extremamente limitada. (Por exemplo, em Portugal não podem fazer greve e alguns corpos de polícia nem sequer podem ter sindicato).

9 de Junho de 2012 Posted by | Europa, Ideologia | , , | 4 comentários

Mudança de rumo na Europa

Quando comecei a escrever este texto, pretendi criticar uma análise de Alan Woods à recusa do KKE em formar um governo de unidade de esquerda na Grécia. Mas logo vi que é preciso ir bem mais longe nessa crítica! Ainda que comece por aí. A análise do trotskista inglês, e da organização que fundou, esquece que tal governo é impossível. O programa contraditório apresentado pelo Syriza para a formação de um governo, sairia esfacelado no inevitável braço de ferro que se seguiria à tomada de posse. O Syriza e o KKE, sem maioria no Congresso, só poderiam fazer aprovar o fim do acordo com o FMI com apoio da extrema-direita fascista. E, por outro lado, a intransigência alemã iria obrigar o Syriza a optar entre manter a política de austeridade ou abandonar o projeto europeu.

Ora, a Syriza, certamente mais para obter votos que por cegueira intelectual, continua a afirmar a possibilidade de um projeto europeu contra a austeridade. Orientado por este projeto inviável, um governo de esquerda iria durar apenas uns meses. Não faria mais que desgastar os partidos que o formariam e permitir o regresso da direita. Por isto mesmo, não faz sentido ver o convite da Syriza ao KKE para formar governo como um convite de facto. Trata-se, pelo contrário, da primeira ação de campanha para a repetição das eleições. E esta é a primeira razão pela qual o KKE recusou reunir-se com a Syriza. A Syriza quer evitar se acusada de ter promovido a instabilidade política e não tentado encontrar uma solução de governo. O KKE quer insistir no elemento central da sua campanha: somente rompendo com a Comunidade Europeia se pode sair das “garras” da austeridade.

Mas não é possível explicar o equivoco de Alan Woods sem perceber o modo como ele leu os resultados eleitorais em toda a Europa. Pelas aparências; não da sua essência. Pode tanto falar-se de uma viragem da Europa à esquerda – como faz Alan Woods e não só – como, há cerca de um ano, depois das eleições em Portugal e Espanha, pôde falar-se em viragem da Europa à direita. É preciso considerar o médio prazo para não se deixar enganar pelas pequenas mudanças que se anulam poucos em poucos anos. O que continuamos a assistir é antigo. Os partidos do status quo continuam a alternar-se no poder. Na França, o partido socialista ganhou as eleições. Na Grécia, pelo contrário, perde-as para o “centro-direita”, isto é, do PASOK para a Nova Democracia. Por outro lado, – e esta é a novidade trazida pela crise – o “centro”, os partidos do status quo, está a implodir. Este segundo processo, na Grécia, obscureceu o primeiro. De facto, foi a Syriza e não o PASOK que disputou o governo com a Nova Democracia. Mas foi também esta implosão do “centro” que, na França, esteve na origem do crescimento da Frente Nacional. Portanto, a vitória de François Hollande e a vitória de Alexis Tsipras nem sequer são fruto do mesmo processo social.

Ao mesmo tempo, a confiança de Alan Wood nas massas, está longe de ser resultado de uma análise atenta da realidade. Com a crise, a massa operária não se volta para a esquerda, mas para os extremos. Se se voltam para a esquerda revolucionária ou para o fascismo, isso depende da cultura nacional. Na Grécia, a cultura anti-imperialista cultivada pelo empenho na luta pela independência do Chipre em relação à Turquia, favorece o crescimento dos partidos de esquerda socialista. No resto da Europa, a direita fascista tem tido mais sucesso (ver aqui também) que a esquerda revolucionária. É a confiança cega nas massas é que leva Alan Woods a equivocar-se na análise. Ele vê no populista e contraditório programa da Syriza “um grande passo à frente”. Afinal, vou avalizado pelas massas nas eleições. Recordemos: as medidas de austeridade, em Espanha e em Portugal, também. E, claro, também por isto o trotskista inglês só pode ver na atitude do KKE sectarismo… Por isto, ou porque é trotskista!

15 de Maio de 2012 Posted by | Europa, Ideologia | , , , , | 5 comentários

Sobre a radicalidade do KKE

Acabo de ler o comunicado do KKE acerca do ato eleitoral na Grécia. A posição do partido comunista em não negociar governo com o partido Syriza está ser muito criticada pela esquerda portuguesa. Nestas análises, compara-se a posição do KKE com um certo texto de Lenine onde se afirma que sempre teve disposto a trabalhar nos “sindicatos amarelos” – sob pena de deixar os operários aí organizados nas mão livres de líderes pequeno-burgueses. Eu próprio usei este texto para defender uma aproximação entre o PCP e os Indignados, M12M ou o raio que lhe queiram chamar.

Mas é um prefeito disparate usar o mesmo argumento para a formação de um governo. Há uma relação entre directa entre as condições subjectivas de um país e a política de alianças de um partido de vanguarda – esse é o argumento de Lenine em Que fazer. Se há hipóteses de formar governo é porque as condições subjectivas estão avançadas. Então exige-se uma política de alianças mais estrita. Se essa política de alianças inviabiliza o governo, então as condições subjectivas não está tão avançada quando se pretende ou, pelo contrário, as exigências feitas não passam de exigências tontas.

A discordância entre o Syriza e o KKE resume-se a um ponto central: a saída unilateral do processo de construção da União Europeia. O KKE continua a ver o projecto europeu como um projecto capitalista. Neste sentido, o ponto nevrálgico de debate é a  continuidade ou não na União Europeia. Mas no último ponto do seu programa, a Syriza mostra a sua ambiguidade em relação é Europa. Nota-se ali um europeísmo escondido. (Curiosamente, ponto esse que anda lost in translation). E dadas as posições da Comissão Europeia, o programa do Syriza e a continuidade da Grécia na UE são incompatíveis.

É aqui que o KKE vê, na posição do Syriza, lobo em pele do cordeiro. Em nome da continuidade no projecto europeu, o KKE espera que o Syriza abdique, ponto a ponto, do seu programa. Acrescento eu: sobretudo porque, com um governo minoritário, será necessário um agente externo – o FMI, a estabilidade política, etc. – para ajudar no braço de ferro entre governo e oposição. Mas tudo isto é, na essência falso. O Syriza sabe de tudo isto; sabe que não pode formar governo. Estas negociações são campanha eleitoral. E o lobo em pele de cordeiro aparece então de outra forma. O Syriza está a fazer tudo para ir a novas eleições com um projecto irrealizável. Ao mesmo tempo que é contra a CE, não põe na mesa a saída da UE.

9 de Maio de 2012 Posted by | Economia, Europa | , , , | 7 comentários

O avanço do fascismo na Europa

A esquerda debruça-se com um problema: o avanço do fascismo na Europa. A dificuldade em confrontá-lo está na dificuldade em percebê-lo. O Ângelo, da secção internacional do PCP, escreveu este texto que é um bom ponto de partida. Não obstante, ao ficar com um pé na ética e outro na dialética, isto é, ao ficar entre a “teoria da conspiração” e a análise das condições objectivas, não chega à essência do fenómeno.

O Ângelo coincide com Žižek que, citando Walter Bejamin, afirma que a acessão do fascismo é o indicador da derrota de um partido revolucionário. Avança ao dizer que o partido revolucionário saiu derrotado na luta contra o capitalismo pouco preocupado com a acessão do fascismo. Mas deixa de ver os mecanismos objectivos pelos quais se dá essa luta.

Num texto meu já de há mais de um ano tentei mostrar como o modo como os partidos discutem política subtrai aos eleitores as informações necessárias para saberem o que está em jogo na política. Os eleitores acabam por avaliar os políticos de uma forma que pode ser resumida pela oposição entre o competente vs o corrupto.

Ora, este modo de avaliação tem duas consequências. Em primeiro lugar, ninguém que não conheça um politico pessoalmente pode falar acerca da sua honorabilidade. Isto, para quem conhece os políticos à distância, torna os políticos todos iguais. E mais, independentemente dos factores económicos em jogo, a culpa de uma crise vai ser sempre – para estes eleitores desinformados – a corrupção.

A segunda consequência é colocar em jogo uma ideia de moralidade conservadora. O político honesto começa por ser aquele que não rouba. De fracasso em fracasso, os eleitores passam a exigir cada vez mais veementemente que os políticos correspondam a este ideal de moralidade: sejam homens, brancos e de fato e gravata. A mini-saia da Gestora de um programa de  governo passa a ser o sinal da falta moral do governo, o sinal da sua corrupção.

Portanto, ao invés de protestarem contra o avanço do fascismo, os partidos de esquerda deviam apostar em atacar as raízes do problema. Isto implica duas coisas

  1. Entender que o fascismo é um movimento da classe operária desinformada, que acaba suportando a elite burguesa mais reaccionária. Isto não implica, em nada, uma manipulação consciente dos burgueses sobre os operários.
  2. Ele é boa medida resultado da despolitização da política. E essa despolitização da política alcança também as suas bases. Basta falar com alguns militantes para saber que eles acreditam que o principal problema do capitalismo é ser corrupto.

Isto exige:

  • Uma forte formação de quadros para que entendam que a crise se deve à tendência ao decréscimo da taxa de lucro e não à corrupção. O seu enraizamento na sociedade permitirá espalhar a mensagem.
  • E um cuidado na formulação da mensagem que, ao mesmo tempo que combata as políticas de direita, tenha o cuidado em instruir os eleitores. Nesse sentido é preciso mostrar que, sem revolucionar as bases da economia, os actuais políticos não têm outra hipótese senão fazer o que actualmente fazem.
  • Combater o Correio da Manhã, o que não será fácil…

A tarefa da esquerda não é informar os portugueses; é levá-los a uma mudança de paradigma, no sentido kuhniano. Um programa que eu já tinha indicado em Dezembro do ano passado.

22 de Abril de 2012 Posted by | Europa, Ideologia | , , | Comentários Desativados em O avanço do fascismo na Europa