Cavaco: ética e dialética
Na mensagem de ano novo do Presidente de Cavaco e Silva constaram, segundo a comunicação social, três chamadas de atenção. Em primeiro lugar, a necessidade de consolidação das contas públicas sem recurso a medidas extraordinárias. As outras duas estão associadas. A situação social está em vias de tornar-se insustentável (ver aqui também), pelo que é necessário lançar medidas claras de crescimento e emprego. A consonância com as recomendações do último memorando da troika é assombroso. Para o próximo ano, receitas extraordinárias não serão permitidas como medida de consolidação do défice. A defesa a redução da TSU e da facilitação dos despedimentos, se bem que dizem muito sobre a vontade de experimentar ideias por parte do FMI, também mostram a preocupação da troika com o crescimento.
Mas esta consonância entre o discurso de Ano Novo de Cavaco e o memorando da troika é apenas um aspeto em jogo. Outro aspeto igualmente importante é a leitura ética (ou nem isso) que foi feita, no facebook, dessa notícia. Cavaco foi acusado de incoerência, ao pedir mais equidade, logo após aprovar um Orçamento de Estado que prejudica essencialmente os trabalhadores e, em particular, os funcionários públicos. E, sobretudo, anos depois de ter chefiado um governo com muitas culpas na crise. Há fundamento nesta crítica ao discurso de Cavaco Silva. Pois, a dar razão à oposição (não só a oposição) ou quando se nota a falta de clareza (ou o caráter experimental) das medidas de estímulo do crescimento, fica claro que, para a troika, o objetivo de crescimento económico está subordinado ao de consolidação orçamental. Cavaco, aparentemente, deu uma no cravo, outra na ferradura.
Não obstante, a ética, ao apontar os dedos para as incoerências de Cavaco e Silva, afasta-se da dialética que identificaria, antes de tudo, a sua coerência. A sua coerência, não nas palavras imediatas, mas nos interesses a que serve. O homem que casou o Estado com a construção civil e com a banca, continua a proteger os seus preferidos num momento em que o governo de Passos Coelho prefere aliar-se aos exportadores. Neste momento, o esforço exigido às famílias para fazer face à divida pública arrisca-se a pôr em causa a capacidade de elas pagarem os empréstimos à habitação que contraíram, pondo os bancos em apuros ainda maiores que aqueles porque passam neste momento (como já comentei aqui).
Mas a dialética ainda vai mais longe. Antes de acusar Presidente da República de estar a “pagar” àqueles que lhe financiaram a campanha, assinala a afinidade entre o keynesianismo que professa Cavaco e os interesses do sector bancário. Portanto, Cavaco não paga com estas medidas o apoio da banca; teve o apoio da banca porque sempre acreditou nelas. Ele corresponde ao que dele esperam os seus “amigos” de consciência tranquila… porque de outra maneira estaria trair não apenas os seus amigos mas, sobretudo, as suas convicções.
Enfim, a dialética ensina que pior que um político desonesto é um político honestamente comprometido com as políticas erradas.
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