Fala Ferreira

Assim me saúdam os amigos de Guatemala.

Que fazer com Portugal?

Creio que em cima da mesa estão duas soluções para a crise:  pelo crescimento e pela dinamização do mercado interno versus pela austeridade e pelas exportações. Esta decisão opõem obviamente, de um lado, a construção civil e a banca nacional e, do outro, os exportadores auxiliados por Bruxelas. Mas esta decisão também divide, respetivamente, Cavaco e Silva e Passos Coelho. E se, desde que Passos Coelho está no governo, Portugal optou pelo segundo caminho foi porque Bruxelas interveio a favor dos exportadores; porque a banca, tradicionalmente associada à construção civil agora falida, está sem soluções; e porque Bruxelas está a dar dinheiro aos bancos.

Este resumo do que vou dizendo no meu blog indica que os exportadores não têm força, por si só, para impor-se politicamente. Daí que a minha análise tem-se centrado recentemente na “paciência” dos bancos em aceitar a sua posição subordinada. E o termómetro dessa paciência (aquele a que eu tenho estado atento) é Cavaco e Silva. Ainda que as suas idiossincrasias façam dele um termómetro pouco preciso.

Nesse sentido, as declarações de ontem de Cavaco em relação ao governo confirmam a inflexão política que eu já tinha apontado. Este governo, o primeiro que há memória a apostar nas exportações, volta a aliar-se, como todos os que o precederam, à banca. Não obstante, o Estado já se alia somente à banca e não mais à banca e aos construtores civis como até ao tempo de Sócrates. Embora os empreiteiros ainda tenham alguma força, pois o travão nas obras do Parque Escolar durou pouco. De qualquer modo, tais mudanças no governo de Passos Coelho devem-se a duas razões. Por um lado, ao insucesso dos exportadores em tornar-se o motor da economia. Por outro, e apesar das políticas europeias de contenção da crise grega e de injeção de liquidez na economia, a economia portuguesa continua a merecer pouca confiança dos mercados. E, vá lá, porque também só sobra para cortar na despesa do Estado em prejuízo de quem tem mais força que o Estado.

Outra razão, que seria mais essencial senão fosse consequência das duas primeiras, é uma inflexão – não sei até que ponto passageira – nas posições da Comissão Europeia. Agora a preocupação centra-se em fazer chegar o crédito à economia real (ver aqui e aqui também). A importância dada às PMEs em geral também demonstra que não se olha para um setor privilegiado: nem a construção civil nem os exportadores. Trata-se apenas de melhorar o funcionamento do sistema bancário para que as empresas – não se diz quais – tirem delas proveito. O grande problema desta estratégia que não encontra setores prioritários é o mesmo da anterior que queria exportar sem saber para onde: ambas mostram uma falta de claridade sobre quem há-de ser, depois da construção civil, o carro-chefe da economia. E o mais grave é que, por pressão da Alemanha, esta inflexão da Europa promete ser sol de pouca dura.

Não obstante, já vejo nela um fator positivo. A imprensa foi obrigada a tratar a economia com mais cuidado e começou a questionar o preconceito de que a solução é poupar, poupar, poupar. As pessoas começam a entender que os remédios também são venenos. E o deslizamento de Portugal que eu (a)notei, no final do ano passado, para o fascismo parece, de há umas semanas para cá, ter saído do horizonte.

18 de Março de 2012 Posted by | Economia, Portugal | , , , , , | Comentários Desativados em Que fazer com Portugal?

Onde andam os pedreiros?

Dizer que Sócrates foi incompetente só tem turvado a visão da esquerda. Não me parece que ele tenha sido mais incompetente que António Guterres. Por outro lado, sei que ele enfrentou mais dificuldades que qualquer outro governo desde Cavaco e Silva. Entender essas dificuldades é fundamental para orientar a luta de massas. É que as dificuldades que Sócrates enfrentou resultam da divisão da classe burguesa. Entender por onde a classe burguesa estruturalmente se divide é localizar as suas fragilidades. E só isso permitirá acelerar a luta e torná-la mais eficaz.

Volto a insistir (como fiz aqui e atualizei aqui) que, durante o ano de 2010, a fração da classe burguesa que comanda os destinos de Portugal mudou. As acrescidas dificuldades de Sócrates foram provocadas pelo facto de ele ter-se alinhado com o status quo no momento em que esse status quo estava de saída. A construção civil, aliada à banca nacional, conduziam os destinos do país desde, pelo menos, do governo do Primeiro-Ministro do betão que dá pelo nome de Cavaco e Silva. Por outro lado, os exportadores vinham há muito tentando tomar o lugar dos construtores civis. Com Passo Coelho, o PSD tornou-se o portador dos seus anseios. Os exportadores tiveram a felicidade de estar alinhados com a banca internacional que, por intermédio de Bruxelas, procurava impor a Portugal as mesmas políticas.

No ano de 2010 havia uma guerra aberta duas frações do empresariado. Uns contra Sócrates, os exportadores (lembremo-nos de Soares dos Santos e outros administradores do grupo Jerónimo Martins)… E, claro, outros, os construtores civis e até certo ponto a banca nacional, defendendo-o (o melhor exemplo talvez seja o Grupo Lena, dono, à época, do jornal i ). A entrada do FMI em Portugal foi a declaração de derrota da banca; e a vitória eleitoral de Passos Coelho foi a tomada de poder dos grandes exportadores.

Se dúvidas existem, veja-se o que diz o Expresso economia (5/11/2011, p. 2):

Os números são impressionantes: entre novembro de 2007 e novembro de 2011 a capitalização bolsista do PSI-20 caiu a pique. A banca foi o sector mais afetado. O BCP vale hoje 8,3% do que valia há quatro anos, o BPI apenas 10% e o Banif 13%. O BES foi a instituição que menos desvalorizou, mas ainda assim passou de €8,1 mil milhões para €1,6 mil milhões. Retirando a EDP Renováveis, que não era cotada em 2007, 15 das atuais componentes do índice perderam mais de 50% da capitalização bolsista. A Cimpor registou a menor quebra, ao passar de €4 mil milhões para €3,4 mil milhões. Galp e Jerónimo Martins marcam a diferença num panorama negro. A empresa de Alexandre Soares dos Santos é a ‘estrela’ do grupo: passou de €3,2 mil milhões para €7,6 mil milhões.

Obviamente isto não quer dizer que o PS represente os construtores civis e o PSD os exportadores. Isso aconteceu, de facto, desde o momento em que Passos Coelho chegou a liderança do PSD até ao momento em que José Sócrates saiu do governo. Mas assim como Manuela Ferreira Leite brigou, em tempos, com Sócrates, pela confiança da banca nacional e dos construtores civis; hoje, José Seguro concorre, com Passos, pelo apoio dos exportadores. (É isto que faz do ano de 2010 um ano especial: as fraturas entre os grandes partidos alinharam-se pelas existentes entre os grandes grupos económicos, expondo as fragilidades da elite nacional).

Assim sendo, não deveríamos todos estar a tentar organizar os trabalhadores da construção civil? Os maiores prejudicados desta transformação ao mesmo tempo económica, política e social.

8 de Novembro de 2011 Posted by | Economia, Sociedade portuguesa | , , | Comentários Desativados em Onde andam os pedreiros?